Passeio Interrompido

Era um banco de concreto, vazio, frio e duro que retratava perfeitamente o local ao redor. Fui descansar sentando nele, havia corrido muito e até continuaria se não tivesse caído junto com a minha bicicleta na rua toda feita de paralelepípedos no caminho. Quadradinhos chatos esses, não são? A única vantagem era que caso você me visse fazendo esse trajeto não conseguiria afirmar se eu estava tremendo de ansiedade e medo ou se era apenas o tremor feito pelo atrito. De uma certa forma essa dúvida que eu poderia causar era um alívio, porque eu não queria continuar pensando que somente eu vivia em um mar de dúvidas – não queria pensar que eu era o único.

Podia ser por causa do medo, da vergonha ou do estranhamento. Que seja, definia usando utopia como título sempre que me arriscava a pensar nisso.

Logo eu que nunca me fui de aventurar de tempos em tempos brincava com essa ideia de adorar o que não se concretizava e imaginava que podia contar as estrelas ao teu lado. O pior de tudo era que eu não sabia as conseqüências.

(Rafael Medeiros)

Encontro

Iniciou-se assim: Eu tentando marcar o teu semblante em um pedaço qualquer e você brincando de menina mulher comigo. Comecei borrando duas elipses normais, com as quais já estava habituado, deixando um espaço entre elas, o que também me era comum, mas havia algo de errado ali.

Apaguei, resolvi deixar de lado aquilo tudo, porém não era uma questão de momento. O problema estava no teu olhar que não me pertencia, e por não me pertencer resolvi silenciá-lo.

Continuamos, tu tão quieta e tímida e eu sempre sagaz e brincalhão. Meio que sem perceber poderíamos ter notado que ali era o nosso quiasmo, eu levando um pouco de você e você levando um pouco de mim.

Às vezes roubando, ou melhor dizendo, furtando eu sempre buscava um pouco mais de ti. Numa tarde em que as folhas caiam e escutávamos músicas britânicas ou em uma noite gelada em que tuas dores eram confortadas com um chá e com meus abraços. A verdade é que eu ficava sempre ali, não deixava as retas se descruzarem, e quando permitia voltava atrás – insistente, talvez chato – e colocava a felicidade novamente a frente, para que pudéssemos nos encontrar e buscá-la mais uma vez. Juntos.

(Rafael Medeiros)

Fusão

Foi Tentando pensar que o ar ainda estava puro, que não existiam turbulências entre nós que acabei me tornando mais instável que o álcool que balançava em meu copo de Whisky com gelo. Deixei de lado, parei de esculpir aquela obra – minhas mãos já estavam cansadas e meu corpo exausto – e me concentrei no copo.

A bebida, amarga como imaginara, foi se embora enquanto eu sentia na pele aquela sensação de calor que dentro de instantes se dissiparia universo afora.

Pensei no gelo, armazena-lo talvez fosse a melhor das alternativas, porém tanto a geladeira quebrada quanto o meu coração não tinham mais a capacidade de estabelecer aquelas temperaturas mínimas necessárias para transformar tudo em sólido.

Pensei em parar o tempo – efeito de consequência talvez – e tão logo quanto pensei já percebi que seria idiotice. Permiti que a água se fosse de vez para seu estado líquido enquanto eu sonhava poder me fundir com ela; ou com você, uma vez que aquela mesma queda que deixou a água se fundir com o gelo também me levou ao sono mais profundo, local em que não controlo meus próprios sonhos.

(Rafael Medeiros)